Intervenção do Secretário de Estado da Justiça na sessão de encerramento do
Colóquio "Avaliação do dano corporal em vítimas de acidentes de viação –
Perspectivas Actuais e Futuras" 


(Coimbra 23 de Abril 1999)



Exmos. Senhores 

Director do Instituto de Medicina Legal de Coimbra e Presidente da Direcção da Associação Portuguesa de avaliação do dano corporal (APADAC), Prof. Doutor Duarte Nuno Vieira 

Presidente do Conselho Executivo da Faculdade de Medicina 

Presidente dos Conselhos Executivo e Directivo da Confederação Europeia de Especialistas em Avaliação e Reparação do Dano Corporal (CEREDOC), Prof. Doutor Pierre Lucas 

Presidente da Associação Portuguesa de Seguradoras 

Presidente da Assembleia Geral da APADAC 

Ilustres dirigentes e membros das Associações Estrangeiras 

Presidente do Conselho Superior de Medicina Legal e Directora do Instituto de Medicina Legal de Lisboa 

Director do Instituto de Medicina Legal do Porto 

Presidente da Assembleia Geral da APADAC 

Ilustres palestrantes e moderadores 

Ilustres especialistas e convidados nacionais e estrangeiros 

Senhores participantes 

Senhoras e senhores 



As minhas primeiras palavras são palavras de saudação e reconhecimento. 

Saudação muito calorosa a V.ªs Ex.ªs e a todos os presentes, que, nas mais diversas qualidades, participaram neste colóquio, pedindo permissão para destacar especialmente os ilustres especialistas e convidados estrangeiros, que nos deram a honra da sua presença. É um prazer receber VExªs e um privilégio podermos ter a possibilidade de analisar em conjunto as questões implicados num tema da importância que tem a avaliação do dano corporal. O encontro neste colóquio dos mais consagrados especialistas europeus na matéria constitui um momento ímpar e de superior significado para a Medicina Legal e para o direito no nosso país, que, por isso mesmo, deve ser especialmente realçado, com o mais elevado apreço. 

Em nome do Ministério da Justiça, que com o maior gosto apoiou entusiasticamente esta iniciativa desde o primeiro momento, e em meu nome pessoal, quero agradecer a disponibilidade e a participação de todos os intervenientes nacionais e estrangeiros, bem como os excelentes contributos para a análise e reflexão sobre os temas em presença. 

Em segundo lugar uma palavra de reconhecimento. 

Reconhecimento, também muito grato, ao Instituto de Medicina Legal de Coimbra, à Associação Portuguesa de Avaliação do Dano Corporal e ao Centro de Estudos de Pós-Graduação em Medicina Legal, na pessoa do Prof. Doutor Duarte Nuno Vieira, por esta iniciativa, pelo seu elevado valor científico e pela sua oportunidade, ao possibilitar o encontro dos mais eminentes e respeitados especialistas da Europa e do nosso país, em torno da afirmação e da promoção de uma vertente fundamental da Medicina Legal como é a avaliação do dano corporal em vítimas de acidente de viação. 

O presente Colóquio insere-se numa linha de continuidade e representa o ponto alto, no nosso país, de um conjunto diversificado de iniciativas, no âmbito de instâncias múltiplas que, em Portugal e noutros países, e também no seio de organizações internacionais, como o Conselho da Europa e a União Europeia, têm dedicado especial atenção aos problemas da avaliação do dano corporal. 

Historicamente associado à sinistralidade rodoviária, o tema da avaliação do dano corporal tem-se situado no centro da atenção dos investigadores e possibilitado um profundo investimento do conhecimento científico em áreas novas do saber médico-legal. Novas áreas que, situando-se fora dos quadros clássicos e tradicionais da ciência médico-legal, como os quadros do direito penal ou do próprio direito do trabalho, tem gerado e potenciado consequências de grande alcance no desenvolvimento de múltiplos aspectos da própria teoria da indemnização do dano no âmbito do direito civil e, desta forma, representado um contributo de superior relevância para o seu aperfeiçoamento e para o aperfeiçoamento do direito neste domínio. 

Na verdade, as novas abordagens de um amplo conjunto de questões, como as inerentes aos danos indemnizáveis, à quantificação do dano, aos danos patrimoniais e não patrimoniais, às modalidades de indemnização, aos nexos de causalidade ou ao próprio processo indemnizatório, em que se traduz o tema da caracterização do dano e sua estimativa enquanto função médico-legal, vieram permitir aquisições de elevado alcance ao nível do acesso ao direito e à justiça. 

Com efeito, a superação de tradicionais lacunas e deficiências das peritagens médicas no quadro dos procedimentos judiciais ou extra­judiciais, por via dos consideráveis desenvolvimentos técnico-scientíficos nesta área, representa, em si mesma, um contributo de superior importância para a tutela dos direitos da vítima enquanto protagonista desfavorecido na relação jurídica do direito à indemnização e, por isso, um instrumento fundamental de afirmação do direito e da realização da justiça numa área especialmente sensível.

E, conhecidos, como são, o especial valor probatório da perícia médico-legal no âmbito do processo judicial e o significado das consequências do juízo técnico-científico ao nível da limitação ao princípio da livre apreciação da prova pelo tribunal, a promoção e a valorização dos novos saberes médico-legais nesta área constitui pressuposto indiscutível e precioso da melhoria da acção da justiça e dos tribunais, que devem ser fortalecidos num Estado de direito democrático. 

A afirmação do conceito de perícia médico-legal no âmbito do processo civil, pela sua dimensão de integração, globalidade, completude e exigências de justificação do exame e do relatório, veio dar contributos significativos na evolução do direito da prova, como sucede com o novo Código de Processo Civil português, no qual o velho "exame de quesitos" passou a dar lugar a uma verdadeira perícia munida da autonomia, liberdade e cientificidade que lhe são próprias. 

O desenvolvimento da ciência médico-legal no domínio da avaliação do dano corporal em direito civil produz, porém, novas exigências ao nível da formação dos peritos. 

É uma dimensão para que estamos devidamente alertados e que o Governo não poderia deixar de levar em conta no quadro da reforma do sistema de medicina legal recentemente levada a efeito por diploma legal e em cuja implantação e desenvolvimento têm de ser colocados todos os esforços. 

Rompidas as fronteiras de um espaço em que a Medicina Legal surgia confinada ao direito penal ou, mais eloquentemente ainda, à velha "ciência dos mortos", novos desafios se colocam agora na formação dos peritos ao nível do direito da responsabilidade civil. 

A Associação Portuguesa de Avaliação do Dano Corporal, na sua curta existência, de pouco mais de 7 anos, tem desempenhado no nosso país - com o impulso, o entusiasmo e o saber da figura do Senhor Professor Doutor Oliveira Sá, agora assumidos e continuados pelo Senhor Prof. Doutor Duarte Nuno Vieira - um papel absolutamente inovador e decisivo neste domínio. 

Seja ao nível da prática no âmbito das perícias médico-legais, seja pela aprofundamento da formação dos peritos médicos e pela divulgação científica ou pelas propostas formuladas em sede de intervenção legislativa, a acção da Associação Portuguesa de Avaliação do Dano Corporal tem mantido uma presença essencial na afirmação e desenvolvimento do saber médico-legal, que tem de ser devidamente realçado, e que, mais uma vez, está presente na organização e realização deste colóquio. 



O presente Colóquio, pelos temas em presença e pelo concurso interdisciplinar e interinstitucional de abordagem, permitiu-nos atingir três grandes objectivos que justificaram a sua realização: 

obter um panorama global do estado actual da avaliação do dano corporal em vítimas de acidentes de viação na Europa e no nosso país; 
obter uma visão comparada de sistemas de avaliação do dano nos países que nos são mais próximos no espaço da União Europeia; 
diagnosticar as dificuldades do nosso sistema e identificar tópicos fundamentais de intervenção para se poder agir no sentido da superação e resolução dessas dificuldades. 

Feito este flash, é possível, com efeito, a partir de agora definir com mais nitidez os contornos da matéria, situar as questões, identificar melhor os pontos que devem ser examinados e aprofundados e encontrar mais facilmente os caminhos para as respostas. Parafraseando um conhecido pedagogo, agora que já sabemos já podemos perguntar e, assim, já não teremos de responder à célebre questão: "se não sabe porque é que pergunta?". 

Então, se sabemos, podemos identificar um ponto de partida. Um ponto que nos mostra existirem basicamente duas questões essenciais para se combaterem as dificuldades: 

por um lado, que importa investir fortemente na formação dos peritos, dado o seu papel fundamental na caracterização do dano, aspecto decisivo para a fixação da indemnização e que deve ser precedido e acompanhado do levantamento e avaliação de necessidades; 
por outro, que é necessário desenvolver instrumentos de ordem normativa que salvaguardem mais eficazmente a garantia de igualdade dos cidadãos perante a lei e a certeza do direito, domínio em que poderá desenvolver papel importante a ponderação e eventual elaboração de uma tabela de incapacidades para efeitos de caracterização do dano e da sua avaliação em acidentes de viação, a qual deverá ser ponderada em função de experiências comparadas e sem perder de vista a necessária flexibilidade do sistema e as razões de equidade que o enformam. 

Estamos naturalmente atentos a estas duas vertentes do problema. 

A primeira está em marcha, com a reforma e com o reforço de investimentos e meios materiais e humanos na área da Medicina Legal. 

Cabe, neste domínio – no domínio da formação de peritos –, uma responsabilidade fundamental aos Institutos de Medicina Legal, que a reforma de 1998 lhe atribuiu claramente. E, para isso, têm e terão os IMLs todo o apoio do Governo. 

Embora tenhamos todos a percepção exacta do que foi feito e do que está a ser feito no sentido de dotar os IMLs dos meios necessários ao cumprimento desta tarefa – o que passa, desde logo, pelo seu reforço interno, nomeadamente ao nível da organização e do alargamento e formação de quadros, e pela ligação mais profunda às Universidades e estabelecimentos de ensino superior -, temos também a noção de que estamos a concluir uma primeira fase de acção no sentido de reunir as condições necessárias para cumprir essas tarefas e de que, a partir daqui, é longo o caminho a percorrer – mas um caminho que está traçado e que se tornou claro. 

Contamos com os IMLs, com os seus directores, com os seus quadros e com o seu saber e também com a APADAC que, pelo seu conhecimento se encontra em condições de fornecer um contributo privilegiado neste processo – isso dá-nos a certeza de que o processo está no bom caminho e de que, a curto prazo, a situação da Medicina Legal neste país poderá ser bem diferente da que era há pouco tempo atrás. 



A segunda vertente – a do aperfeiçoamento do direito – tem de ser, obviamente, aprofundada. Temos, para isso, que reunir peritos e saberes, numa cooperação profunda entre o direito e medicina, para, de uma forma participada com todos os interessados – juristas, magistrados, médicos, seguradoras e outras entidades com intervenção nesta área – identificarmos soluções. Neste sentido, as conclusões deste colóquio representam um contributo valioso para as tarefas seguintes, a primeira das quais poderá consistir na formação de um grupo de trabalho para avaliação do sistema e apresentação de propostas. Sei que podemos contar com a colaboração activa das pessoas e instituições aqui presentes e isso permite-nos olhar com segurança as metas seguintes. Agradeço antecipadamente essa colaboração e, em conjunto, faremos o melhor. 

Se importa, por um lado, combater as causas da sinistralidade, que, no nosso país, atinge dimensão preocupante – o que está a ser feito a vários níveis – exige-se, por outro, uma melhor acção perante o sinistro.
O que aqui está em causa é, em síntese, um direito melhor e uma justiça de maior qualidade ao serviço dos cidadãos. São esses os objectivos que nos movem e é para isso que trabalhamos. 

Termino felicitando, uma vez mais, a organização desta iniciativa e agradecendo o contributo de todos e a atenção que me dispensaram. 

Muito obrigado. 


José Luís Lopes da Mota 

Secretário de Estado da Justiça




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