Improviso sobre improviso
riflessioni su Eugénio de Andrade
de Iacyr Anderson Freitas
                
Improviso
               de Eugénio de Andrade
 
Uma rosa depois da neve.
Não sei que fazer
de uma rosa no inverno.
Se não for para arder,
ser rosa no inverno de que serve?
 
Effimero
               trad. di Angelo Di Mauro
 
Una rosa dopo la neve.
Non so che fare
di una rosa in inverno.
Se non per consumarsi,
essere rosa in inverno a cosa serve?
 
Inserindo-se no riquíssimo rol de poemas breves escritos por Eugénio de Andrade, “Improviso” gravita em torno do contraste gerado pela imagem «de uma rosa no inverno». O alcance peculiar desse contraste encontra ressonâncias até mesmo no plano simbólico dos termos evocados pelo poeta. Com efeito, à rosa podemos associar diversos chamamentos e representações. Angelus Silesius viu nela a imagem da alma. Uma realização sem qualquer mácula, irretocável e perfeita. Símbolo extremo de regeneração, de amor e de vida:  a taça da vida. Já o sentido figurado do vocábulo inverno - velhice, termo da vida - dá bem a idéia do contraste aqui citado.
Improviso dialoga profundamente com as demais composições breves do autor de “Coração do dia”. Há nesta peça a mesma busca da essência, o mesmo manejo de uma imagética elemental, cujos alicerces se assentam sobre componentes míticos basilares. O mesmo poder de concentração e de focagem do indispensável. Não obstante a pequena extensão do poema - cinco versos relativamente curtos - é notável a quantidade de aliterações, de assonâncias, de repetições, bem como de rimas, tanto internas quanto finais. A análise mais detida do estrato fônico desta peça poderá indicar, ainda que por refração, um pouco da capacidade ímpar do poeta de elaborar o seu dizer a partir de uma certa consciência melódica, intrinsecamente musical, da própria linguagem. Em suma, «o aroma das sílabas», como nos diz um outro texto do autor, intitulado “Frutos”, pertencente ao volume “Aquela nuvem e outras”, de 1986.
Aliás, improviso é também o nome de um gênero musical, de largo uso no repertório pianístico. Mas, por outro lado, esta palavra é sempre associada a um «produto intelectual inspirado na própria ocasião e feito de repente, sem preparo». A ocasião em que se fixa esse improviso é, como sabemos, o contraste gerado pela visão de uma rosa no inverno. Todavia, o eixo principal de tal contraste se expressa através da conjugação de dois centros de força. O primeiro nasce do confronto desigual entre “uma rosa” – enquanto materialização da fragilidade e da transitoriedade da própria noção de beleza, potencializada então pela solidão e pela orfandade que se escondem sob a epiderme da sua condição sem-par – e o aspecto totalizante e avassalador do inverno. É essa uma relação desprovida de qualquer equilíbrio: nada pode fazer uma rosa contra toda a imponência do inverno.
O segundo centro de força vincula-se à pergunta que encerra a peça em questão: “Se não for para arder, / ser rosa no inverno de que serve?”. Aqui aflora um dos temas recorrentes da poética de Eugénio de Andrade: a necessidade vital de criação e de compartilhamento. A necessidade de transformação. Se o calor de uma rosa - pois arder é também “brilhar” ou “cintilar” - não é capaz de transformar o inverno, então sua beleza é inútil. Improviso nos lembra, agora sob a trama metapoética de uma discreta profissão de fé, que não há beleza sem comunicação, sem uma partilha extrema. Que nada tem sentido quando não se abre em comunhão. Disso nos recorda esse pequeno e luminoso poema. Poema que soube ser, ele mesmo, uma rosa capaz de revogar invernos.

Improviso di Eugénio de Andrade

de Fernando Fábio Fiorese Furtado

Rubro no branco

Alvo alvo, antes nada, à espera da seta. A não ser pelo rumor da mão indestra, a distância de branco a branco era o deserto. Escrever não encontra, sequer as rosas murchas na moldura. Entanto, o rubor do menino deixa impressa uma gota de sangue em cada poema.

Sol no signo

Como setembros para debruçar-se, como janelas onde a cal queima, alheia à chama por que arde. Eis a rosa, de palavras gasta - mas pronunciá-la basta para ser atravessado pelo mar. E é tamanha a música que só resta aprumar o corpo: para a mãe ou para a festa?

Nu na pronúncia

Desconcerta o metro com ostinato rigore: régua de água a medir a sílaba pela sibila, pelo silêncio, pelo cílio da sombra. Descalça a voz para dizer ao mínimo, para mudar a neve em cal. Pode ser página, muro, barco, contanto que o sol saiba o homem e sua hora.

Eugénio de Andrade

In questa pagina viene presentato da due giovani poeti e critici brasiliani, Iacyr Anderson Freitas e Fernando Fábio Fiorese, Eugénio de Andrade, uno degli autori più in vista della poesia portoghese. Il primo, traendo spunto da una breve lirica, evidenzia il contrasto a livello simbolico rosa-inverno, quasi manifestazione di rigenerazione, di amore e di vita. La poesia infatti è incentrata su due punti essenziali. Il primo nasce dal confronto tra la rosa, materializzazione di fragilità e di transitorietà della bellezza, e l’aspetto totalizzante e soggiocatore dell’inverno. Il secondo si nasconde nella domanda: «A cosa serve una rosa in inverno se non per consumarsi?». Da ciò scaturisce la necessità vitale della creazione e della partecipazione del poeta. Anche Fabio Fiorese rivisita la stessa poesia, evidenziando il valore simbolico del bianco: tra bianco e bianco vige il deserto, mentre il rossore del bambino lascia impressa una goccia di sangue in ogni poesia.